segunda-feira, 13 de abril de 2009

Prova aplicada em 2009

Prezado aluno/a:....................................................

Essa prova é composta de 7 questões. Nas 6 primeiras há apenas uma alternativa a ser assinalada (1,0 ponto por questão correta). Na questão 7, que vale até 4,0 pontos, cabe a você sustentar uma resposta, entre as alternativas disponíveis, ou uma combinação delas, que seja compatível com alguma das teorias da causalidade e dos saberes penais até aqui vistos. Respostas meramente opinitaivas, sem fundamentação jurídica, serão desconsideradas. Clareza, correção, utilização de linguagem acadêmica, e lógica argumentativa serão avaliados. A resposta deve ser dada no verso da folha de prova, sendo inadmissíveis respostas em anexo ou a lápis.

1. Leia o disposto no artigo 306 do Código de Trânsito: Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Penas: detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor: O trecho sublinhado exemplifica:
A – ( ) Uma analogia in malam partem, vedada no Direito penal.
B – ( ) Uma interpretação analógica, contrária ao art. 1º. Do CP.
C – ( ) A utilização de costume como fonte da lei penal.
D – ( ) Uma afronta ao princípio do nom bis in idem.
E - ( ) NDA.

2. Transtornado pela suspeita de que sua esposa, Capitu, o traia com Escobar, Bento, em 25 de janeiro deste ano, deixa o gás do forno aberto, antes de sair para o trabalho. Eram, então, 23 horas. Arrependido, Bento volta à sua casa cinco horas depois, quando Capitu já estava inconsciente. Leva-a as pressas ao hospital, mas, tendo que aguardar uma demorada fila de emergências no lotado hospital, Capitu morre, em 26/01.
A - ( ) O homicídio contra Capitu ocorreu em 25/01, de acordo com a Teoria da Anterioridade.
B – ( ) O homicídio contra Capitu ocorreu tanto em 25 quanto em 26 de janeiro, pela Teoria da Ubiquidade.
C – ( ) Bento responderá por tentativa de homicídio, beneficiando-se do artigo 15 do CP.
D – ( ) Bento responderá por tentativa de homicídio, beneficiando-se do disposto no art. 13, § 1º. Do CP.
E – ( ) NDA.

3. Por mero espírito provocativo, Darlene começa a xingar Paulão. Este então avança sobre o pacífico namorado dela, Cássio, com intenção de matá-lo. Cássio, solicita socorro, mas Darlene, para evitar mais envolvimento no caso, foge, sem ajudar o rapaz ou chamar a polícia. O namorado é, então, morto por Paulão. Darlene deve, em tese, responder:
A – ( ) Por um crime comissivo por ação.
B – ( ) Pelo crime do artigo 135.
C – ( ) Por negligência.
D – ( ) Pela morte de Cássio, em conjunto com Paulão.
E - ( ) NDA.

4. Fere, em tese, o princípio da legalidade:
A – ( ) A criação de leis penais por analogia.
B – ( ) A criação de leis penais por medida provisória.
C – ( ) A criação de leis penais pelo costume.
D – ( )A criação de leis penais sem respeito ao princípio da taxatividade
E - ( ) Todas as alternativas anteriores.

5. Máximus / I. acorda com a idéia de matar, com veneno, sua esposa, Lívia./ II. Conta tal idéia a seu amigo./ III. Depois disso, vai até a agropecuária e adquire um veneno para ratos./ IV. Chega a casa e, seguindo as instruções do rótulo, dissolve o veneno em água./ O amigo de Máximus adverte Lívia. Esta, então, vai tirar satisfação com o marido que, desesperado, /V. avança com uma faca sobre ela, só não a matando desse modo, porque o amigo interveio a tempo/. Há crime nas afirmações:
A – ( )III, IV e V.
B – ( ) II, III e IV e V.
C – ( ) I, II e V.
D – ( ) Apenas no V.
E – ( ) Em todas as afirmações.

6. Roxin, cidadão alemão, mata Eugênio, cidadão argentino, num avião comercial brasileiro, que sobrevoava o alto-mar. Seguindo a aeronave diretamente ao Brasil, Roxin:
A – ( ) deverá responder pelo crime no Brasil, com base no artigo 7º. do CP.;
B - ( ) deverá responder pelo crime no Brasil, com base no art. 5º. do CP;
C– ( ) Não poderá responder pelo crime no Brasil; D – ( ) Não poderá, em tese, ser extraditado para outro país.

7.Sabrina, brasileira, em São Paulo, atropela dolosamente o embaixador dos EUA no Brasil, pois queria matá-lo. Levado as pressas ao hospital, o embaixador só não foi salvo da morte porque Xenófobo de Souza, o médico de plantão, retardou dolosamente o atendimento, pois sabia que isso seria necessário e suficiente para que o embaixador morresse. Com base no caso, responda: Sabrina deverá ser processada no Brasil? Por homicídio tentado? Por homicídio consumado? Por lesões corporais? Fundamente com base em uma das teorias da causalidade (resposta sem fundamentação ou fundamentação inadequada não resultarão em pontuação alguma).

sábado, 21 de março de 2009

Exercícios para Direito Penal 1

Com base nos primeiros 14 artigos do Código Penal, responda o que segue:

1) A bordo de um avião comercial brasileiro, Mauro mata João, ambos brasileiros, no momento em que a aeronave sobrevoava o alto-mar. O avião segue seu curso, pousando em Londres. Aplica-se a lei brasileira ao caso? Fundamente.

2) Luís, brasileiro, atira na estudante americana Lynda, em Nova Iorque. Pode ser aplicada a lei penal brasileira a este caso? Fundamente.

3) Estava ancorado em águas chilenas o navio mercante brasileiro “Gaivotas”. Ali, Piero mata Juan, ambos argentinos. Pode ser aplicada a lei penal brasileira a este caso? Fundamente.

4) No dia 11 de janeiro de 2007, no navio mercante de bandeira norte-americana em alto-mar, o milionário iraniano Kalil Alef foi tomado como refém de uma extorsão mediante seqüestro, como forma de forçar a família da vítima a depositar 10 milhões de dólares numa conta fornecida pelos criminosos. No dia 4 de março do mesmo ano, o navio aproxima-se a 40 milhas náuticas da costa brasileira. Ficando sabendo do que ocorria no navio, a polícia brasileira adentra a embarcação e liberta a vítima, efetuando a prisão de seus captores. O advogado dos seqüestradores alega que: 1. O crime ocorreu em alto-mar; 2. O Brasil realizou a prisão fora de sua jurisdição; e 3. Por isso, a lei penal brasileira não se aplica ao caso.
Está correta a argumentação do advogado dos acusados? Fundamente.

5) A atriz Luciana K. praticou aborto nos EUA, em total conformidade com a lei vigente naquele país. Chegando ao Brasil, a promotoria denunciou Luciana por ter transgredido à norma assinalada pelo artigo 124 do Código Penal Brasileiro. Essa denúncia respeita as regras da extraterritorialidade da lei penal?

6) Um costume jurídico é capaz de, por si só, estabelecer uma conduta enquanto criminosa?

7) Por que a analogia in malam partem é vedada em Direito Penal?
8) Marcos, brasileiro nato, em Miami, despachou pelo correio, em 12 de fevereiro do ano corrente, uma garrafa de vinho envenenada à sua ex-namorada, em Florianópolis, acompanhada de um cartão em que pedia desculpas pelas lesões que “seu ciúme o haviam levado, no passado, a contra ela praticar”, e pedia que aceitasse a citada bebida como forma de reconciliação. O pai de Luciana tomou o vinho no dia 20 de fevereiro e morreu, pela ação do veneno, no dia 22 do mesmo mês. Com base neste caso responda:
1. em que data (ou datas) ocorreu (ou ocorreram) o crime?
2. em que local (locais) ocorreu o crime?
3. a lei penal brasileira pode ser aplicada a Marcos?
4. supondo que em13 de fevereiro, do mesmo ano, tivesse havido um aumento na pena de quem se utiliza do correio como meio de executar crimes, como o de Marcos. Aplicar-se-ia tal aumento ao caso?
5. supondo que em13 de fevereiro, do mesmo ano, tivesse havido uma redução na pena de quem se utiliza do correio como meio de executar crimes, como o de Marcos. Aplicar-se-ia tal redução ao caso?
6. supondo que Marcos seja condenado e cumpra 10 anos de prisão por tal crime nos EUA. E que fosse condenado a 11 anos de prisão no Brasil pelo mesmo fato. Quanto tempo poderia permanecer preso, por tal fato, no Brasil?
7. Supondo que Marcos tenha fugido dos EUA sem cumprir a pena que lhe foi imposta. Teria que cumpri-la no Brasil? Poderia ser mandado de volta para os EUA para cumprir a pena lá imposta? Teria que cumprir a pena brasileira?


9) Pablo começou a cumprir sua pena de 2 anos e 2 meses, às 18 horas do dia 25 de agosto de 2008, quando ele deverá ser posto em liberdade?


10) Pedro, 29 anos, diz com seriedade que pretende matar João. Este registra tal fato na delegacia local. Na outra semana, Pedro obtém regular porte de arma. Dois dias após, Pedro é abordado pela polícia por estar com seu carro parado, sem motivo razoável, a 50 metros da casa de João, e com uma arma registrada em seu nome no porta-luvas do carro. Esses fatos são suficientes para que se tome quais providências penais contra Pedro?

11) Consulte uma das bibliografias recomendadas e aponte pelo menos 3 princípios de Direito Penal.





terça-feira, 17 de março de 2009

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O objeto da Criminologia

É o crime o objeto de estudo da Criminologia?

Professor Sandro Sell



Um campo de saber precisa ter um objeto preciso de investigação. Por óbvio, o da Criminologia haveria de ser o crime. Mas neste caso o óbvio esbarra na dispersão semântica do conceito apontado. O que é crime para o Direito penal nem sempre é considerado crime pela sociedade e vice-versa. Caso a Criminologia adotasse, sem mais, o conceito criminal do Direito, a sociedade poderia acusá-la de não se importar com suas demandas, apegando-se ao formalismo jurídico e, com isso, deixando escapar a realidade. Ao revés, caso resolvesse tomar como objeto de investigação aquilo que a sociedade toma como sendo crime, o Direito poderia considerar a Criminologia inútil por não respeitar os limites legais das definições de condutas enquanto criminosas. Inútil esticar. O cobertor que representa o conceito de crime parece curto demais para dois repousantes tão espaçosos quanto o Direito e a sociedade.


Para os que defendem que a Criminologia é um saber auxiliar do Direito, seria razoável tomar o conceito jurídico de crime como objeto comum de estudo para as duas disciplinas. Assim como, no Direito civil, o acessório segue o principal, a definição criminológica de crime deveria se conformar em espelhar definição penal. E as pessoas comuns, antes de dizerem de uma conduta “Isto é um crime”, deveriam consultar o Código Penal, a fim de evitar impropriedades.


No entanto, para a decepção do ímpeto imperialista dos juristas, os demais saberes, via de regra, não se constituem para servir ao Direito; ao contrário, com muito mais freqüência é o Direito que exerce essa função de auxiliar. Afinal, o Direito regulamenta o jogo social, mas não é o próprio jogo. Pensar nas demais ciências enquanto meras auxiliares do Direito é tão esdrúxulo quanto pensar que os atletas de futebol treinam e jogam para auxiliar o juiz da partida. Portanto, a Criminologia não precisa submeter-se, tout court, ao Direito; devendo levar as questões jurídicas em consideração apenas à medida que essas sejam de interesse criminológico e não o inverso. No Direito penal, o crime é definido, geralmente, como uma conduta típica (ou seja, descrita em lei como passível de pena), antijurídica (isto é, não justificável pelas circunstâncias) e culpável (quando a pessoa que desrespeita a lei penal é imputável e tinha a possibilidade de agir de modo conforme a norma). Assim a conduta de matar alguém só é crime porque está prevista em lei como proibida (art. 121 do CP). Mas essa simples previsão não basta para afirmarmos, com certeza, que dada a situação em que A matou B essa morte foi criminosa. Ela pode ter sido plenamente justificada pelas circunstâncias, se constituindo em legítima defesa, por exemplo.


Além disso, para completarmos a investigação sobre a possível ocorrência de um crime, haveríamos de saber se aquele que matou era imputável (maior de 18 anos e com capacidade normal de discernimento e coisas do gênero). Só após tais análises, o operador jurídico poderá afirmar: “Sim, essa morte foi um crime”; antes, não. O crime em Direito não é, pois, um fato natural, algo que ocorre e pronto, saltando aos olhos do investigador. Não, em Direito o crime é o resultado de uma construção normativa: é crime o que o Direito diz que é crime e, apenas, na medida em que não crie exceções desclassificadoras de delito. O criterioso conceito jurídico de crime pode parecer decepcionante aos acusadores de plantão, mas constitui uma inafastável garantia aos cidadãos. Ele surgiu como um freio a uma eventual sanha persecutória do Estado que, na atualidade, monopoliza o direito social de punir violações legais. Com efeito, a partir da modernidade, sobretudo, dos indivíduos foi confiscada a possibilidade de se vingarem daqueles que os ofendem. Fazer justiça com as próprias mãos tornou-se crime. O Estado assumiu o que Max Weber chamou de monopólio da violência legítima: só ele pode aplicar penalidades aos criminosos. No entanto, para a tranqüilidade dos cidadãos, o Estado não é livre para aplicá-las como e quando quiser. Ao contrário, só poderá fazê-lo dentro de estritas regras de direito, cujo objetivo primeiro é evitar abusos e arbitrariedades. É por tal razão que a definição de alguém enquanto criminoso é precedida de tantas cautelas. Pela mesma razão, os Estados de direito repudiam a chamada analogia in malam partem, aquela em que se pune uma conduta não prevista em lei como crime por se assemelhar a uma outra efetivamente prevista. Como dizem os penalistas: nullum crimen, nulla poena sine praevia lege.
O fato de o conceito jurídico de crime procurar corresponder a necessidades tanto da técnica jurídica quanto do Estado de direito, não significa que sua aplicação será técnica e precisa. Na prática há mais condutas criminosas do que o sistema penal possui possibilidade de combater. Assim, haverá uma seleção político-ideológica de certos crimes que a sociedade elege como merecedores de combate em detrimento de outros que parecem merecer tolerância. Como em geral os crimes tolerados são aqueles realizados por pessoas com mais recursos (crimes de sonegação fiscal, corrupção, peculato, banqueiros do jogo de bicho, agiotas) e os mais enfaticamente perseguidos são os realizados habitualmente por pessoas mais pobres (furtos, roubos, porte ilegal de armas), a impressão que dá é que os pobres delinqüem mais do que os não pobres. Mas isso resulta do fato de o sistema de persecução penal ser arbitrariamente seletivo: seu dever era perseguir tudo o que está definido como crime, mas como isso paralisaria a sociedade (com suas múltiplas criminalidades), escolhem-se os mais pobres para satisfazer o apetite do aparato de repressão penal. É por isso que os críticos do modelo vigente ironizam dizendo que para que uma conduta seja crime em Direito, ela há de ser não apenas típica, antijurídica e culpável, mas, sobretudo, cometida por uma pessoa de baixa renda. As estatísticas sobre a pobreza dos encarcerados, lamentavelmente, reforçam a visão desses críticos.


Pensemos num indivíduo jovem, pobre e negro – o estereótipo social do criminoso – que entra numa loja de um shopping e furta um chocolate, cujo valor é de um real. Com a ajuda da zelosa sociedade de bem, ele será detido, mostrado à imprensa e entregue ao sistema penal, no qual será tratado com desprezo e arrogância. Quem manda ser bandido! Mas naquele mesmo dia, como em muitos e muitos outros, o bom pai de família, proprietário da loja furtada, deixou de recolher o imposto devido, por achar que já pagava demais. A cada 100 reais de venda não declarada, ele embolsava em torno de 20 reais de dinheiro público. No dia que o bandido lhe furtou o chocolate, ele havia deixado de declarar a venda de pelo menos dois mil reais. Com isso ele se apropriou, criminosamente, de 400 reais de dinheiro público. Haverá imprensa a mostrar-lhe a cara envergonhada? Haverá policiais e algemas em seu estabelecimento? Haverá promotor a discursar ferozmente contra ele? Provavelmente estarão muito ocupados com o garoto do chocolate para darem atenção a esses crimes irrisórios.Suponhamos mais. Um aluno de Direito que surpreende um pivete tentando furtar o CD player de seu automóvel. A polícia chega e apreende o garoto. No carro do estudante, dezenas de CDs pirateados – ou seja, uma série de crimes! - que, somado o que deixou de pagar de direitos autorais, superariam o próprio valor do aparelho cujo furto foi tentado. Por que esse estudante não teme que o policial queira lhe incriminar por estar negociando mercadoria ilícita? Porque ele sabe que o sistema, não podendo perseguir todos os crimes, perseguirá preferencialmente o crime que é cometido pelos mais pobres. Por que tal preferência? Porque os mais pobres não reclamam de abuso de autoridade, não são acompanhados de advogados e seus estratagemas emperrantes da investigação policial. E porque prender os mais pobres dá a impressão de “missão cumprida”, enquanto que prender os mais ricos, além de ser um risco à carreira, pode parecer um sintoma de inveja. In dúbio contra mísero. Mas há mais. Dirão alguns que piratear CDs é muito diferente de furtar chocolates. Nem tudo que é crime para a lei é crime para a sociedade. Não fornecer a nota fiscal devida, fotocopiar grande parte das obras de autores em “xerox” de universidades, baixar clandestinamente músicas da internet, apostar no “jogo do bicho”, entre outras condutas, são criminosas para o Estado, mas, em geral, bem aceitas pela sociedade. Ao revés, a prostituição e o incesto são condutas freqüentemente repudiadas pela sociedade, sem que sejam crimes em sentido jurídico.


Essa dissonância entre o que a sociedade considera crime e o que o Direito assim classifica ajuda a explicar o caráter seletivo da persecução penal. O agente da lei quer ter seu trabalho reconhecido pela comunidade que o sustenta, então acaba por dar preferência persecutória, dentre os crimes em sentido jurídico, àqueles que são também crimes em sentido social. Em outras palavras, para ser combatida não basta que uma conduta seja criminosa, necessário que seja também uma transgressão aos valores sensíveis da sociedade.Talvez pudéssemos, então, trocar o conceito jurídico de crime pelo conceito sociológico de transgressão, enquanto objeto de estudo da Criminologia. Destarte, transgressões são as condutas cuja realização perturbam a consciência do homem médio, não diretamente envolvido com a questão, a ponto de este se sentir no direito de nelas intervir, aceitar ou mesmo reivindicar que intervenções punitivas sejam feitas. Assim, mesmo que o adultério no Brasil tenha perdido a sua classificação de conduta criminosa para o Direito, ele continua sendo dito como transgressivo em determinadas localidades do Brasil, a ponto, inclusive, de se constituir em motivo absolutório de certos assassinos de esposas adúlteras. Ao contrário, a prática do jogo do bicho, embora ato contravencional para o Direito, é tida como não transgressiva. Isso significa que as pessoas típicas de nossa sociedade não se sentem autorizadas a agredirem aqueles que jogam no bicho. Crime ou transgressão, qual o objeto da Criminologia? Pelos exemplos acima, já deve ter ficado claro que qualquer um deles, isoladamente, não permite o estudo da totalidade das condutas que se poderia esperar de uma ciência como a Criminologia. Deixar de estudar certos crimes juridicamente definidos pela razão de não possuírem importância social seria um atentado ao próprio nome deste campo de saber. Mas deixar de estudar determinadas práticas repudiadas pela sociedade, enquanto transgressivas, porque o Direito lhes nega a condição de criminosas, é igualmente deixar de se ocupar com fatos que parecem intimamente de sua competência. A solução seria ter como objeto da Criminologia tanto um como o outro. Assim, definiremos o seu objeto estudo da seguinte forma:


A Criminologia estuda os crimes e as transgressões, na forma como são definidos e utilizados pela sociedade, seus fatores de geração e controle, bem como seu potencial de interferir no destino de seus praticantes (criminosos, transgressores), de seus controladores (agências de controle policial-penal e agências morais) e a vinculação de tais fenômenos com o modelo de sociedade.


Quanto mais houver congruência entre o conceito de crime e o conceito de transgressão em uma dada sociedade, mas legítimo será seu sistema de punição criminal, assim como haverá alta taxa de legalidade em sua aplicação. Legalidade diz respeito à compatibilidade entre a lei e a punição; enquanto legitimidade associa-se à aceitação popular da punição empregada. Quando o Estado pune banqueiros do jogo do bicho, por exemplo, muitas pessoas alegam que isso é bobagem, que tal ação em nada melhorará a sociedade. Já quando o Estado pune um estupro contra criança, haverá uma sensação coletiva de que justiça foi feita. Embora as duas punições tenham sido legais, só a segunda foi legítima.


Para melhor visualizar:


Se uma conduta é definida como criminosa e transgressiva, a punição criminal a ela será tida como legal e legítima. Exemplo: punir assaltantes violentos.


Se uma conduta é definida como criminosa, mas não transgressiva, a punição penal a ela será tida como legal, mas não legítima. Exemplo: punir jovens por copiarem ilegalmente filmes na internet.


Se uma conduta é definida como transgressiva, mas não criminosa, a punição penal a ela será ilegal, mas não ilegítima. Exemplo: punir a prostituição.


Se uma conduta não é definida nem como criminosa, nem como transgressiva, a punição penal a ela será ilegal e ilegítima. Ex. punir uma mulher por estar na praia de biquíne


Um fato comum entre o crime e a transgressão, como objeto da Criminologia, é que ambos não existem enquanto realidades independentes. Para ser crime, algo há de contrariar a lei; para ser transgressão, há de contrariar a sociedade. São, então, o Direito e a sociedade que definem as condutas que são objeto da Criminologia. Não existem condutas criminosas ou transgressivas naturais.

Poderíamos parafrasear o brocardo latino dizendo: não há crime sem lei anterior que o defina, nem transgressão sem prévia definição social. Portanto, o objeto de estudo da Criminologia variará não apenas com a mudança nas leis, como com a mudança nos costumes sociais.


Exercícios:

1. Por que o conceito de crime não consegue abarcar a totalidade do objeto de estudo da Criminologia?

2. O conceito jurídico de crime é bastante complexo. A que funções poderiam corresponder tal complexidade?

3. O que significa dizer que o Estado detém o monopólio da violência legítima?

4. Por que se diz que o sistema penal é bastante seletivo? Como diante dessa seletividade explicar o brocardo dura lex sed lex?

5. Quais as diferenças entre crime e transgressão?

6. Toda punição estatal de um crime efetivamente verificado é legítima? Explique.

7. Leia o artigo 229 do Código Penal Brasileiro: “Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” O trecho "destinado a encontros para fins libidinosos" parece adequar-se perfeitamente a definição de motel. Por que, então, motéis, nesta acepção são tolerados?

8. Por que não existe crime natural?

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Militares torturadores: beneficiados pela prescrição?

Punição já aos torturadores, cobram maiores constitucionalistas do País

Fonte: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=15155


Natal (RN), 12/11/2008 - Os quatro maiores constitucionalistas brasileiros - Celso Antonio Bandeira de Mello, Fábio Konder Comparato, José Afonso da Silva e Paulo Bonavides - sustentaram hoje (12) de forma unânime que não há prescrição para os crimes de tortura cometidos no Brasil durante a ditadura militar (1964-85), respaldando a ação neste sentido ajuizada pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, no Supremo Tribunal Federal. Os juristas, que participam da XX Conferência Nacional dos Advogados, endossaram a Ação de Descumprimento por Preceito Fundamental (ADPF n° 153) da OAB que pede a punição do crime dos torturadores, destacando dois motivos: tortura não é crime político e ninguém pode se auto-anistiar.
Os quatro constitucionalistas reunidos em Natal mandaram também um duro recado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: se a punição para aqueles crimes não for aprovada em seu governo, com apoio da OAB eles recorrerão à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já tem precedentes aprovados nesse campo, para fazer valer no Brasil o princípio de que o crime de tortura é de lesa-humanidade e, portanto, imprescritível.
A seguir, a íntegra das manifestações dos constitucionalistas:
Celso Antonio Bandeira de Mello: O Brasil não entrará no conserto dos países civilizados de verdade, se ele não responsabilizar os torturadores. Não há prescrição nenhuma para crime de lesa-humanidade. O que houve foi prescrição para crimes políticos. A tortura é um ato monstruoso. A imagem que eu faço mentalmente é que o torturador é um demônio disfarçado de ser humano. Temos que duramente responsabilizar essas pessoas que torturaram e mataram porque só assim a sociedade brasileira vai se convencer de que atos dessa indignidade não podem ser reproduzidos nunca mais. Se eles ficam impunes, podemos conviver com o inimigo sem saber. Esse homem se senta ao nosso lado, fala conosco, apertamos-lhes a mão e, na verdade, ele é um monstro, uma fera. Não. Não há prescrição para crimes de lesa-humanidade. O Brasil é signatário de convenções que não admitiriam, em nenhuma hipótese, uma prescrição dessa ordem. Há dois motivos pelos quais não podemos aceitar a idéia de prescrição. Um deles, o mais óbvio, é o fato de que tortura não é crime político. O segundo motivo é que ninguém pode se auto-perdoar. Aquilo foi feito em um momento em que, se houvesse por ventura o perdão ao torturador, aquilo era um ambiente de coação. Portanto, não podemos aceitar isso de jeito algum. Entendo que a OAB agiu brilhantemente e interpretou o sentimento de todo o povo brasileiro e, sobretudo, o sentimento do meio jurídico. Nós não podemos, de maneira nenhuma, confundir um ato de insurgência e de defesa do País contra a tirania com uma tortura. São coisas qualitativamente distintas. Não há possibilidade de comparar. Não aceito, de nenhuma maneira essa posição. Cada um tem direito de emitir o seu posicionamento porque nós vivemos em uma democracia. Ele emitiu o dele, mas eu não concordo, de nenhuma maneira, com esse ponto de vista e também não concordo com a posição da AGU. É preciso que a AGU reveja a sua posição, pois ela não se coaduna com o Estado Democrático de Direito.

Fábio Konder Comparato: Acordamos tarde para o problema da Lei de Anistia e o que se quer, agora, é que a mais alta Corte do país julgue definitivamente se aqueles que cometeram atos abomináveis de assassinato, tortura e estupro contra presos políticos podem continuar no anonimato e se eles se beneficiaram de uma anistia que, pela própria estrutura da lei, não podia beneficiá-los. Se o STF entender que a Lei de Anistia abrangeu também os criminosos, militares e policiais, iremos recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos para denunciar o Estado brasileiro. Considero lamentáveis as posições adotadas pela Advocacia-Geral da União e pelo ministro da Defesa e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Espero que isso não influencie a Suprema Corte.

José Afonso da Silva: Acho que esses crimes devem sempre ser punidos. Eu , quando fui assessor da Assembléia Constituinte (1987-88), não fui a favor de crimes imprescritíveis. O que é preciso é puni-los. A prescrição pressupõe a inércia do poder público. O poder público é que tem que perseguir o criminoso. E se ele não persegue, aí o crime fica imprescritível. O que temos então é que exigir do poder público que ele cumpra a sua função, para que não passe o tempo e não se chegue à prescrição. Mesmo nos crimes comuns as prescrições de dão em prazos longos, de 20 a 30 anos. Então, ainda há muito tempo para se promover a responsabilidade do criminoso. Ora, se o poder público fica inerte, aí fica cômodo.Acho que os que torturaram não foram punidos. Eles estão aí alegando que foram beneficiados pela lei da anistia. Eu tenho um texto publicado em que afirmo que não existe anistia para agentes públicos torturadores. Isso se chama na verdade auto-anistia do poder público, que resolve conferir a anistia aos seus próprios agentes que cometeram o crime. Há uma decisão famosa da Corte Interamericana sobre um também famoso caso acontecido no Peru, chamado caso Bairro Alto, em que os militares metralharam umas doze ou treze pessoas que estavam numa reunião, que os militares alegavam ser uma reunião subversiva. Aí, um promotor moveu uma ação competente contra eles. Mas o Fujimori, que era o presidente, um ditador, conseguiu rapidamente uma lei de anistia para os militares que mataram o grupo. A juíza teve que parar o processo. Houve recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos e ela decidiu que aquilo era auto-anistia e que isso não existe, é contrário aos direitos fundamentais do homem.

Paulo Bonavides: O crime de tortura é um dos mais hediondos que fere os direitos naturais da pessoa humana. Não há direito mais sagrado do que a integridade moral e a integridade física do homem em toda a dimensão do princípio superlativo, que é o da dignidade da pessoa humana. O direito à liberdade e à inteireza do ser humano é inviolável. É, logo, um crime imprescritível, pois ofende nas suas raízes o direito natural. Uma sociedade que não se fundamenta no direito natural não é uma sociedade constitucional do ponto de vista da materialidade dos valores éticos, que devem conduzir sempre essa conduta."

QUARTA-FASE - EXERCÍCIOS DE REVISÃO

1. Qual a diferença entre agravantes e causas de especial aumento de pena?
2. A agravante de motivo pode ser utilizada em crimes culposos?
3. Adalberto, sem outras condenações, foi condenado a 24 anos pela prática de latrocínio. Cumpriu exatos 16 anos e fugiu. Pergunta-se: quando deveria (se é que deveria) ter-lhe sido concedido o livramento condicional? Quanto tempo o Estado tem para recapturá-lo antes que se dê a prescrição?
4. Miro, 38 anos, acusado de praticar o crime do 213, caput, foge logo depois de ter sido citado. A denúncia fora recebida em 30 de agosto de 2003 e o crime praticado em 30 de agosto de 1996. Em 30 de agosto de 2007, a sentença, que o condenou a 6 anos de prisão transitou em julgado. Em 30 de agosto de 2008 ele é finalmente encontrado pela polícia. Ainda é possível fazê-lo cumprir a pena? Justifique.
5. Lúcio, 20 anos, primário, foi condenado a 4 anos de prisão pelo crime do 157 caput, em data de 22 de abril de 2008 (data do trânsito em julgado). O delegado instaurou inquérito policial para apurar o fato 5 dias após ele ter ocorrido (I.P. aberto em 27 de abril de 2002). A denúncia fora recebida em 27 de novembro de 2002. Lúcio será beneficiado pela prescrição? Caso não, poderá receber sursis? Fundamente.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Desafio DID 31

Alunos, da terceira fase, que não fizeram o exercício de hoje (e que não estavam em prova) podem trazer resolvido o seguinte exercício para a próxima aula:

O capitão Antônio, do Corpo de Bombeiros, no meio de uma operação de combate a incêndio recebe a solicitação do cabo Ernesto de que precisa se ausentar da tarefa, pois que recebera uma ligação de que seu filho Otávio, 8 anos, se machucara seriamente em casa, sem saber de mais detalhes. O cabo explica que seu filho fica sozinho, numa área isolada, com a irmã de 6 anos e que não consegue contato com a casa, temendo pelo pior caso não chegue rapidamente ao lar. O capitão responde que não, pois que Ernesto é o único do grupo de salvamento que tem experiência com o vazamento de gás da espécie que está provocando o incêndio. E determina que o cabo submeta-se ao seu dever e que resolva seus problemas pessoais depois. Mesmo assim Ernesto desobede ao capitão e corre para a casa.
Os resultados:
1) A espera de outro especialista na atividade de Ernesto retarda o salvamento em uma hora, causa considerada eficaz para que duas pessoas morressem intoxicadas.
2) O filho de Ernesto estava bem. A criança que se machucou seriamente foi um vizinho, que a pessoa que ligou para o cabo pensava ser Otávio. Ao saber disso, o cabo voltou ao trabalho, mas o incêndio já havia sido controlado.

As questões:
1) Essas mortes podem ser atribuídas à responsabilidade penal de Ernesto? Sob que fundamento?
2) Ele pode alegar excludentes de ilicitude ou de culpabilidade em sua defesa? Como?