O costume de pôr imagens cristãs nas salas de audiência judiciais teve inicio na Idade Média, inspirada na antiga constituição justiniana, do ano de 524, que salientava a necessidade de que nelas houvesse sempre uma imagem do Nosso Senhor Jesus Cristo.
Na França, isso se traduziu na utilização do crucifixo afixado à parede, como forma de lembrar que havia uma continuidade entre a justiça dos homens e a justiça divina. Para a ala cética dos juristas franceses, tal imagem servia a propósitos mais práticos, como o da legitimação religiosa do juramento processual, de dizer a verdade e nada além dela.
Já na Alemanha, não é o crucifixo, mas a imagem do Cristo no Apocalipse (como a do quadro de Miguel Angelo, acima) que se afixavam as paredes dos tribunais, como lembrança de que a justiça seria feita, nem que fosse ao final dos tempos.
Hoje, muitos questionam a manutenção de tais símbolos (em particular os crucifixos nas salas de audiência), por sua incompatibilidade com a pluralidade religiosa vigente em paises como o Brasil. Se não há uma religião oficial, não podemos atribuir lugar de destaque, em repartições publicas, a símbolos de uma religião particular, ainda que seja a da maioria, - pois a Constituição deve, sobretudo, proteger as minorias (por sua evidente fragilidade) contra as decisões invasivas da maioria sobre direitos e liberdades assegurados.
Numa versão conciliadora, há os que salientam que mais do que um símbolo religioso, o crucifixo é uma advertência contra os erros possíveis num julgamento. Se Jesus que era inocente acabou condenado à morte, devem o juiz e os jurados ser cautelosos para que não se repita o histórico e vergonhoso erro de há dois mil anos. A imagem de Cristo sacrificado na cruz estaria em destaque, então, não para divinizar a justiça humana, mas para assinalar o que nela deve ser evitado.
Embora reconhecendo o valor dos símbolos para a crença nas instituições sociais, a utilização de imagens religiosas como legitimadoras de práticas judiciais pode levar a falsa crença de que uma decisão do Poder Judiciário pode se justificar por motivos místicos, religiosos ou sobrenaturais. Mais grave ainda: pode levar à crença de que um eventual erro de julgamento seria mais tarde reparado pela Justiça Divina, e que, assim, tudo estaria (da condenação do inocente à absolvição do culpado), em última instancia, nos planos de Deus.
Num judiciário republicano, os julgadores têm o dever de assumir ética e solitariamente todas as conseqüências das decisões que tomam, assim como seus efeitos colaterais previsíveis. Nada mais deplorável que a figura daquele que decide por seus caprichos, racionaliza com uma lei conveniente, e depois vai à Igreja tentar livrar sua alminha do inferno em que vive metendo os outros.
Sandro Cesar Sell
Para saber mais:
TEDESCO, Ignácio F. El acusado em el ritual judicial. Buenos Aires: Del Puerto, 2007. (colección Tesis Doctoral).
Na França, isso se traduziu na utilização do crucifixo afixado à parede, como forma de lembrar que havia uma continuidade entre a justiça dos homens e a justiça divina. Para a ala cética dos juristas franceses, tal imagem servia a propósitos mais práticos, como o da legitimação religiosa do juramento processual, de dizer a verdade e nada além dela.
Já na Alemanha, não é o crucifixo, mas a imagem do Cristo no Apocalipse (como a do quadro de Miguel Angelo, acima) que se afixavam as paredes dos tribunais, como lembrança de que a justiça seria feita, nem que fosse ao final dos tempos.
Hoje, muitos questionam a manutenção de tais símbolos (em particular os crucifixos nas salas de audiência), por sua incompatibilidade com a pluralidade religiosa vigente em paises como o Brasil. Se não há uma religião oficial, não podemos atribuir lugar de destaque, em repartições publicas, a símbolos de uma religião particular, ainda que seja a da maioria, - pois a Constituição deve, sobretudo, proteger as minorias (por sua evidente fragilidade) contra as decisões invasivas da maioria sobre direitos e liberdades assegurados.
Numa versão conciliadora, há os que salientam que mais do que um símbolo religioso, o crucifixo é uma advertência contra os erros possíveis num julgamento. Se Jesus que era inocente acabou condenado à morte, devem o juiz e os jurados ser cautelosos para que não se repita o histórico e vergonhoso erro de há dois mil anos. A imagem de Cristo sacrificado na cruz estaria em destaque, então, não para divinizar a justiça humana, mas para assinalar o que nela deve ser evitado.
Embora reconhecendo o valor dos símbolos para a crença nas instituições sociais, a utilização de imagens religiosas como legitimadoras de práticas judiciais pode levar a falsa crença de que uma decisão do Poder Judiciário pode se justificar por motivos místicos, religiosos ou sobrenaturais. Mais grave ainda: pode levar à crença de que um eventual erro de julgamento seria mais tarde reparado pela Justiça Divina, e que, assim, tudo estaria (da condenação do inocente à absolvição do culpado), em última instancia, nos planos de Deus.
Num judiciário republicano, os julgadores têm o dever de assumir ética e solitariamente todas as conseqüências das decisões que tomam, assim como seus efeitos colaterais previsíveis. Nada mais deplorável que a figura daquele que decide por seus caprichos, racionaliza com uma lei conveniente, e depois vai à Igreja tentar livrar sua alminha do inferno em que vive metendo os outros.
Sandro Cesar Sell
Para saber mais:
TEDESCO, Ignácio F. El acusado em el ritual judicial. Buenos Aires: Del Puerto, 2007. (colección Tesis Doctoral).
Um comentário:
Sou Católico, porém, não seria justo com as pessoas que, por ventura, não simpatizarem com minha religião e muito menos com aquelas fervorosamente praticantes de religiões diversas, se por um acaso, viesse a me manifestar a favor dessas imagens e símbolos religiosos em locais públicos. Pois como já foi visto, a Constituição protege a igualdade e uma tendência que não representa a totalidade não pode manifestar suas vontades e mistificações se, de uma forma ou de outra, acarretar em uma antipatia ou crenças alheias, de uma minoria, que seja.
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